Do amor ao ódio
Regina Navarro Lins
A questão da semana é o caso
da internauta que depois de um ano de namoro recebeu mensagem do
namorado terminando tudo. Ele já está com outra pessoa e ela com muita
raiva e desejo de vingança.
O fim de uma relação amorosa é a
desconstrução de alguma coisa real que, normalmente, foi acrescida de
muitas ilusões. A parte que se retira da relação com outra pessoa, sem
consenso, é o vilão.
Mas informar ao parceiro que ele não é mais o
ser amado, que não se deseja mais dividir a vida como antes, é coisa
difícil de fazer ao vivo. As novas tecnologias amenizam esse momento
dramático e uma mensagem de celular aparentemente resolve a questão.
Quando
a pessoa se sente abandonada, com a autoestima abalada, a ideia de
vingança pode surgir. Há um clássico grego que trata da questão: Medéia
foi abandonada com os filhos por Jasão e não hesitou em assassiná-los,
porque sabia que era a pior forma de atingir aquele que a abandonara.
O
poeta grego Eurípedes escreveu Medeia, no século V a.C,. Usando o
exemplo dela mostrou a situação das mulheres da sua época, pouco
diferente da condição de escravas. Medeia renuncia a tudo para seguir
Jasão. O sentido de sua vida é amá-lo, e isso ainda representa a
situação de muitas mulheres. O “grande amor” é para elas o centro da
existência e absorve grande parte de suas energias.
A história de
Medeia retrata o efeito destrutivo que a fixação no “grande amor” pode
ter. “Uma mulher que vê, no seu relacionamento amoroso com o homem, um
sentido exclusivo e um conteúdo da sua vida, acaba de mãos vazias quando
o seu homem se dedica a uma outra ou se ela acredita não estar mais
correspondendo aos ideais masculinos relativos à beleza e à atração
sexual. Tendo investido todas as suas energias no relacionamento, ela
agora se sente lograda.”, diz a escritora alemã Olga Rinne.
Voltando
às formas atuais de dar um ponto final numa relação, a novidade, é o
chamado ghosting. Algo como “agir como um fantasma”. Tem muito a ver com
relacionamentos construídos pelas redes sociais. Se tudo começou e se
manteve via mensagens de celular porque o fim não poderia ser dessa
forma?
É o argumento que parece dominante no caso do ex da
internauta, embora no caso dela o ex tenha informado o fim da relação.
No chamado ghosting há um desaparecimento, uma ausência total de
comunicação, como se tudo não tivesse passado de um caso fantasmagórico!
A psicoterapeuta americana Elisabeth J. LaMotte, falando para a
BBC, diz que informar sobre a separação é incômodo e “o evitamos em
muitas esferas, particularmente no setor do amor. Para a pessoa vítima
de ghosting, pode ser uma experiência muito dolorosa. A rejeição causa
dor. E o ghosting é uma rejeição vaga que faz que o processo de dor do
rompimento seja mais longo.''
Mulheres sofrem mais com o término
de relacionamentos amorosos, embora se recuperem deles mais rapidamente
do que homens, concluiu uma pesquisa britânica publicada na revista
científica Evolutionary Behavioural Sciences.
Os dados informam
que as mulheres se envolvem mais emocionalmente e vivem o drama da
separação até o fim. Os homens seriam menos preocupados e “seguiriam
adiante”, mas também acumulariam mágoas inconscientes.
Penso ser
importante refletirmos sobre o amor na nossa cultura, com os seus
ghostings e toda virtualidade, que acompanha o dia a dia de homens e
mulheres. Assim será possível criar novos códigos nas relações amorosas,
com menos sofrimento desnecessário.
FONTE: http://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2016/02/13/do-amor-ao-odio/