quinta-feira, 11 de julho de 2019

LEI DO CADASTRO POSITIVO: você sabe o que é?


Por Marcelo Chiavassa de Mello

Nesta semana entrou em vigor as modificações legislativas em relação à Lei do Cadastro Positivo, ou seja, a criação de um “score” (sistema de ranking) de cada cidadão. Quanto melhor for a nota da pessoa, maior a possibilidade de acesso à crédito junto às instituições financeiras (abertura de conta corrente, cartão de crédito, linhas de financiamento, juros mais baixos etc.).
Até então, a adesão era voluntária (opt-in), de modo que o ranking só poderia ser criado se a pessoa expressamente fizesse o pedido de inclusão. Estima-se que cerca de 6 milhões de pessoas aderiram ao Cadastro Positivo no Brasil, em vigor desde 2011.

A partir de agora, a adesão ao sistema de “score” será automática (a pessoa deve ser avisada quando for incluída no sistema de “score”), podendo ela pedir sua exclusão do programa, se assim desejar (opt-out). O pedido de exclusão deverá ser solicitado perante às entidades de crédito, como SERASA, SPC, dentre outras.

Mas como é feito o sistema de “score”? Simples, através do histórico de bom/mau pagador. As entidades de crédito pegam o histórico de pagamento de contas de água, luz, telefone, cartão de crédito, dentre outras, e criam um sistema de ranking que irá dar uma nota para cada indivíduo do país. Pessoas com histórico de inadimplemento terão mais dificuldades de obtenção de crédito (em tese, as que mais precisam), enquanto as que são adimplentes terão facilidade na obtenção do crédito (em tese, as que menos precisam). Pergunta honesta: o que vai acontecer com as pessoas que tiverem dificuldade – notadamente em início de carreira – em pagar suas contas? Ou então, como a maior parte da população brasileira, com aqueles que vivem com menos de 2 salários mínimos que, infelizmente, vendem o almoço para comprar o jantar? E os milhões de desempregados (13 milhões de pessoas, aproximadamente)?

No meio dessas dúvidas, o “mercado” sorri de alegria, pontuando que a tendência é a diminuição dos juros e do “spread” bancário, na medida em que será possível individualizar o risco de inadimplemento. Sustentam, dessa forma, que a diminuição da taxa de juros e do spread bancário beneficiará a todos.

Além dos dados envolvendo o (in) adimplemento da pessoa, o ranking também poderá levar em consideração dados de (in) adimplemento de familiares até primeiro grau da pessoa. O raciocínio parece simples para o “mercado”: se os pais/filhos/cônjuge são maus pagadores, então essa pessoa também tem mais chance de ser mau pagador – determinismo.

A possibilidade de tratamento dos dados pessoais para fins de análise de crédito é lícita pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, independentemente do consentimento do titular (Lei 13.709/2018, sancionada em agosto de 2018 e que ainda não está em vigor), em verdadeira inovação brasileira a respeito a este tema.

A questão – maior – passa a ser o funcionamento do compartilhamento da base de dados entre as instituições de análise creditícia. Se houver vazamento desses dados, quem responde? Se o titular pedir a exclusão e ela for descumprida, sendo procedida de compartilhamento com outra instituição de análise de crédito, ambas possuem responsabilidade?

Como vai funcionar o pedido de revisão das notas do score, principalmente levando em consideração que elas são automatizadas, baseadas em algoritmos guardados a sete chaves (com grande risco de discriminação, como já visto em casos recentes nos EUA)? Quem vai fiscalizar? Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), como determina a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, ou os órgãos de proteção e defesa do consumidor, como previsto no novo texto da Lei do Cadastro Positivo? Ou seriam ambas, correndo o risco de decisões conflitantes e/ou até mesmo em duplicidade de sanção? O que vai acontecer com a lei se os juros e o spread bancário não forem reduzidos? Neste caso, será uma boa oportunidade de entender o escopo da lei. Se não houver nenhuma mudança no “mercado”, ou a lei deverá ser modificada ou então descobriremos que a finalidade foi tão somente entregar a algumas empresas a gestão dos dados pessoais de algumas dezenas de milhões de pessoas no Brasil todo.

Lembrando que os dados pessoais são a base do sistema financeiro do século XXI. Pense nas maiores empresas do mundo (Amazon, Google, Facebook) e comece a refletir sobre tudo o que elas sabem sobre você… agora multiplique o que você acha que elas sabem por 100 e você talvez se aproxime da realidade.

Aliás, segue a dica: quem quiser ter uma ideia do seu “score”, basta acessar o site da Serasa Score e fazer a consulta através do seu CPF. Aproveite que o cadastro poderá ser feito pela sua conta do Facebook, através do qual você cederá ainda mais dados pessoais para as agências de crédito (sorria, seus passos estão sendo monitorados).

Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima é Prof. Direito Civil e Direito Digital e Direito da Inovação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Está disponível para entrevistas.
Fonte: jornal contábil