Pelo ‘fornecimento de marmitas’ e serviços de ‘recepção de reuniões e entrega de material eleitoral’, duas pessoas físicas receberam R$ R$ 102 mil da campanha do deputado Luís Miranda (DEM-DF), segundo o Tribunal Superior Eleitoral. Um dos fornecedores, procurado pelo Estado, contesta e diz que não recebeu nem a metade do que foi declarado nas prestações de contas do parlamentar. Por outros motivos, como o ‘pagamento de forma irregular de praticamente todos os colaboradores’, a Justiça Eleitoral desaprovou as contas da campanha. Miranda, que ressalta ter sido eleito sem o uso de dinheiro público, diz ter corrigido o ‘erro pro-forma’ e revela. “Existe um indício grave de que eu tenha sido roubado”.
Miranda fez campanha ressaltando disparidades entre Brasil e Estados Unidos, onde morou. Em um deles, compara, por exemplo, o Estádio Mané Garrincha, reformado para a Copa do Mundo 2014, e o Hard Rock Stadium, em Miami, casa do Miami Dolphins, que passou por uma reforma de US$ 500 milhões, em 2015.
“Um estádio de R$ 1,7 bilhão jamais seria justificado, muito menos esse carinha aqui”, disse o ainda candidato, apontando para o Mané, em 2015.
Em janeiro, ainda antes da posse, o parlamentar foi um dos membros da comitiva de parlamentares que foi à China. “Estamos alinhados com o nosso presidente Bolsonaro”, disse à época. Agora, tem encampado seu projeto nas redes um projeto para reforma tributária.
Reprovação
Ainda candidato, ele declarou R$ 7,2 milhões em bens. Sua campanha não recebeu dinheiro do fundo partidário. Miranda doou para sua candidatura R$ 435 mil, de um total de R$ 530 mil arrecadados. Ele gastou R$ 435 mil durante o pleito de 2018, e se elegeu com 65 mil votos.
No Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Miranda teve as contas reprovadas. Da decisão, cabe recurso.
Durante o processo, a Seção de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias, órgão técnico de análise dos comprovantes apresentados pelos candidatos, apontou, por exemplo, ‘saques no valor de R$ 95.731,23 que não se destinaram à composição do fundo de caixa, mas para o pagamento de diferentes despesas’ e o ‘pagamento de despesas distintas por meio de cheques individualizados, gerando divergência entre a movimentação bancária e as despesas declaradas no SPCE na ordem de R$ 132.078,70 (representa 25,5% do total das despesas)’, o que gerou a recomendação para que fossem desaprovadas as contas do parlamentar.
O relator do processo na Corte, desembargador Waldir Cordeiro Lopes Júnior, afirmou que o ‘candidato pagou praticamente todos os colaboradores (cabos eleitorais) de forma irregular, num total de R$ 95.731,23, ainda que tenha juntado os respectivos recibos de pagamentos’.
“Não há como permitir a abertura de precedente como este, uma vez que todo e qualquer candidato se sentiria liberado para realizar todos os saques financeiros destinados ao pagamento de pessoal”.
“A conduta afronta diretamente a sistemática e a lógica da legislação aplicável à prestação de contas”, anotou o relator.
Lopes Júnior assinala que ‘a norma determina que os pagamentos devam ser feitos individualmente, por meio de cheque nominal ou transferência bancária’.
“A opção de pagamento feita pelo candidato revela descuido que não pode ser desconsiderado pela Justiça Eleitoral, ainda mais quando se cuida de praticamente todo o montante destinado ao pagamento de pessoal de apoio à campanha eleitoral”, alerta.
Contra a decisão, a defesa recorreu e a Procuradoria Regional Eleitoral, no início de março, pediu rejeição dos embargos.
O deputado afirma que apresentou documentação e diz esperar que suas contas sejam aprovadas, ainda que com ressalvas “Apresentamos os documentos, corrigimos tudo”.
“De fato, não sou da política, fiz tudo com capital próprio, algo assim: o dinheiro é meu, compro quantas marmitas eu quiser [risos]. Para pagar os fornecedores, eu faço um saque aqui e pago todo mundo de uma vez. E não é assim que funciona e, infelizmente , ninguém me orientou nesse sentido”, pondera Luís Miranda.
‘Queria tanto que fosse verdade’
Os dois maiores receptores de verbas da campanha de Luís Miranda são pessoas físicas, de acordo com o TSE.
Um teria fornecido ‘recepção de reuniões e entrega de material eleitoral’ por R$ 61 mil. Outro, marmitas por R$ 41 mil.
As quentinhas fornecidas para a campanha são motivo de ressalvas nas contas apontadas pela Justiça Eleitoral, já que, segundo a Corte, teriam ultrapassado limite legal para esta finalidade.
Dievelisse Paranhos da Costa é a fornecedora de ‘mão de obra especializada’ nos serviços de recepção e distribuição de propaganda do deputado nas ruas, como consta em seu contrato.
A reportagem tentou localizá-la por meio de contato com parentes, por e-mail e por telefone. Não houve retorno.
Até fevereiro de 2018, Dievelisse teve em seu nome a micro-empresa Paranhos Boureau of Events, mas cancelou o registro.
De acordo com seu contrato, Dievelisse teria carga horária de 8 horas diárias entre segunda e sexta, e outras quatro aos sábados, com direito a uma hora e meia de almoço.
O deputado justifica o gasto com uma pessoa física. “Foi uma panfleteira. Elas vinham de noite e ficavam entregando o panfleto de campanha, essas moças. Parece que ele contratou uma única só e subcontratou várias outras. Por isso que ficou volumoso”.
De acordo com o TSE, Luís Miranda gastou 60,4 mil com serviços de alimentação, o que extrapolou em R$ 8 mil o limite legal de 10% dos gastos para esta destinação. Somente um fornecedor recebeu R$ 41 mil.
Sob condição de anonimato, um dos fornecedores de marmitas afirma ao Estado: “Se ele tivesse me pagado 41 mil reais do jeito que está dizendo que pagou 41 mil eu não estaria com minhas contas de luz e de água penduradas.”
Segundo este fornecedor, cada marmita teria custado R$ 12.
Em determinado momento da campanha ele teria rachado o dinheiro que recebeu com parentes, que o ajudaram, apesar de receber sozinho, como pessoa física.
Ele diz ter chegado a fazer e a transportar 76 marmitas por dia para a campanha. Em outros dias, o número de marmitas fornecidas era 40. No total, diz que recebeu por volta de R$ 18 mil.
Em um cálculo simples, se, no período de 20 dias de campanha, que o fornecedor diz ter trabalhado, tivessem sido fornecidas 70 marmitas por dia, o gasto teria sido de R$ 16,8 mil.
Além de negar ter recebido os R$ 41 mil declarados, diz que foi procurado por um agente da campanha que teria cobrado uma parte do valor das marmitas.
“Caía um valor’x’na minha conta e aí eu pegava o meu e tinha que transferir uma parte para ele. Ou para a mulher dele, não sei”, relata.
E conclui. “Uma pessoa pegou as marmitas, e me passou, e essa pessoa me passava no valor de 12 reais. Eu pegava no valor de 12 reais. A pessoa pegava no valor de 15. No começo, eu comecei a pegar 40 marmitas. Dessas 40 marmitas, foi aumentando, eu comecei a passar pra ele 76 marmitas no fim da campanha”.
‘Você entrega a chave de casa e a pessoa rouba sua TV’
Em entrevista ao Estado, o deputado Luis Miranda diz desconfiar que foi lesado por agentes de sua campanha.
Enfático, o parlamentar diz não temer ser responsabilizado por eventuais irregularidades em suas despesas. “Pelo amor de deus, um pouco de conhecimento de legislação, a pessoa sabe disso. A negativa das contas não é passível de perda de mandato. Todo mundo sabe disso.”
Miranda é taxativo. “Eu não tenho receio nenhum. O que eu tenho é uma decepção. É extremamente decepcionante entregar a chave de sua casa para uma pessoa e ela roubar sua TV. Você hospeda a pessoa na sua casa, cuida dela, paga por ela ir lá cuidar da sua casa e ela te rouba. Isso é decepcionante, é vergonhoso. Esse é o país que eu não quero para mim. Mas é o reflexo dos políticos corruptos que existem no Brasil.”
O deputado afirma que esteve nos Estados Unidos durante o pleito e que não acompanhou de perto os gastos de sua campanha.
“Quem cuidou das contas, quem tinha procuração, quem fez todos os pagamentos foi o Alexandre [Capelo]. Eu nunca fui ao banco, nunca assinei um cheque, nunca fiz um saque, eu fiz campanha e peguei meu dinheiro limpinho e transferi para a conta. Foi o que eu fiz. E eram o Alexandre e o Ricardo Ribas que controlavam meus pagamentos. Ambos controlavam meus gastos, só. Eu não controlei nada, eu não sei de nada”.
Ouvido pelo Estado, Alexandre Capelo diz que não teve responsabilidade pelos pagamentos. “Minhas atividades não incluíram pagamentos para fornecedores de marmita”.
“Em relação aos 60 mil pagos à pessoa física que o senhor faz referência em sua mensagem, os recibos relacionados a essa despesa estão, igualmente, na prestação de contas”, afirma o contador.
O coordenador de campanha, Ricardo Ribas, também nega responsabilidade. “Portanto, minhas atividades não incluíram pagamentos para fornecedores de marmita. Essa atividade era realizada pelo coordenador de campanha que ficava com as equipes de rua. Todavia, os recibos estão na prestação de contas”.
O deputado afirma ter feito boletim de ocorrência na Polícia do Distrito Federal, para que o caso seja investigado. “Quer dizer, eu tenho um patrimônio, não nego, milionário, e não consigo desfazer. Mas o dinheiro líquido, quer dizer, era para eu ter gasto R$ 200 mil e gastaram R$ 500 mil onde tem um indício grave de que o dinheiro da minha campanha pode ter sido desviado”. ESTADÃO CONTEÚDO