Laudos de exame de corpo de delito costumam sair com resultado inconclusivo, dizem especialistasImagem: iStock
Jacqueline Elise
Da Universa
Após registrar um boletim de ocorrência por violência sexual contra o jogador Neymar na sexta-feira (31), a modelo Najila Trindade foi submetida a exame de corpo de delito, procedimento padrão em casos de estupro. A Polícia Civil já tem o resultado do laudo, que não apontou lesões nas partes íntimas da suposta vítima.
Entretanto, especialistas esclarecem que a ausência de ferimentos na genitália de vítimas não invalida uma denúncia de estupro. O artigo 213 do Código Penal define o crime como "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". Luiz Carlos Prestes, perito legista e assessor técnico do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, explica que, muitas vezes, o estupro acontece sem violência, mas com constrangimento da vítima, coação ou ameaça durante o ato sexual.
"O exemplo mais comum é a mulher que já mantém relações sexuais frequentes, e o indivíduo por algum tipo de ameaça ou violência psicológica mantém a relação sem o consentimento dela e não produz no corpo nenhum vestígio. Isso pode ocorrer, realmente, e ainda pode ser qualificado como estupro", diz.
Isabela Del Monte, advogada cofundadora da Rede Feminista de Juristas, explica que o determina um estupro é a prova de que não houve consentimento do ato sexual. "O cerne do crime de estupro é a ausência de consentimento, como ele é dado e como foi revogado, além de violência ou grave ameaça. A partir do momento em que qualquer uma das partes falou 'isso eu não quero, não estou gostando, quero que pare' ou demonstrou desconforto, mas o pedido não foi respeitado ou a outra parte insistiu, tentou convencer a pessoa a fazê-lo, é estupro", afirma.
É comum que o laudo tenha resultado inconclusivo
Os especialistas ouvidos por Universa ressaltam, ainda, que é muito comum que o laudo do exame de corpo de delito saia com resultado inconclusivo -- o que não significa que não houve crime.
"Muitas vezes a violência sexual não deixa marcas. O estuprador pode não ter ejaculado no corpo da vítima. Também acontece de as vítimas demorarem para perceber que foram violentadas, tomarem banho depois do ato e perderem o material biológico do próprio corpo, o que poderia aparecer no exame. Por isso que a comprovação biológica não pode ser a única", diz Isabela. Além disso, lesões leves costumam se curar rapidamente, o que dificulta a identificação caso a vítima não denuncie imediatamente.
Investigação deve considerar outras provas
Prestes afirma que, para concluir que houve o estupro, além do exame de corpo de delito, é preciso juntar o máximo de provas possíveis: "Mensagens de texto, conversas telefônicas, gravações, roupas usadas no dia do crime. O mais importante é provar que essa vítima foi constrangida sexualmente, que o ato foi praticado sem o consentimento dela. A partir do momento que ela consegue provar que aquele ato não foi consentido, que foi forçado sob coação ou outro pretexto, deve haver uma investigação".
Isabela atenta para o fato de que, em casos que acabam vindo a público, como o de Najila e Neymar, há o costume de investigar os antecedentes da vítima para justificar, de alguma forma, que ela pode estar mentindo. Ela acredita que, para subverter o quadro, "poderiam chamar para depor ex-companheiras do acusado para entender qual é a prática dele, se tem relatos similares, se há um padrão de comportamento" para saber se há antecedentes de agressão que não foram denunciados previamente.
Existe prazo para denunciar estupro?
Vítimas de estupro não têm prazo limite para fazer a denúncia, porque muitas delas, inclusive, demoram a entender que foram violentadas sexualmente, explica Isabela. A advogada também chama a atenção para a Lei do Minuto Seguinte, que garante atendimento emergencial e gratuito às vítimas de estupro, para que todas as evidências sejam coletadas o quanto antes.