Dados preocupantes apresentados durante seminário realizado no município de Propriá vieram comprovar o que a comunidade ribeirinha há muito tempo vem sentido no seu dia a dia. A realidade do rio São Francisco, principalmente em sua extensão no estado de Sergipe é extremamente grave. Quase 80% da água retirada da sua Bacia é utilizada para irrigação. O Velho Chico realmente está agonizando; 48% da área da sua bacia se encontra desmatada.
Estes foram alguns dos dados apresentados por especialistas que participaram do seminário realizado nessa sexta-feira, dia 1, no município de Propriá, a partir de requerimento apresentado pelo deputado federal João Daniel (PT/SE), através da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, juntamente com a Frente Parlamentar Mista de Meio Ambiente, Segurança Alimentar e Comunidades Tradicionais da Assembleia Legislativa, presidida pela deputada estadual Ana Lúcia (PT). Além desses parlamentares, a audiência contou com a participação do presidente da Comissão de Meio Ambiente, deputado federal Nilto Tatto (PT/SP).
O auditório do Colégio Nossa Senhora das Graças recebeu estudiosos do rio, ribeirinhos, pescadores, quilombolas, ambientalistas, estudantes, movimentos sociais, sindicalistas, trabalhadores rurais, prefeito e secretários municipais de Propriá, vereadores e lideranças, principalmente de municípios da região do Baixo São Francisco. Também estiveram presentes o bispo da diocese de Propriá, Dom Mário Rino Sivieri e o Padre Isaías, da Cáritas; Marcelo Barberino, representando o secretário de Estado do Meio Ambiente, Olivier Chagas; o presidente estadual do PT, Rogério Carvalho; o presidente do Sindicato dos Eletricitários, Sérgio Alves; e o representante do Sindisan, Jorge Tupinambá.
O deputado João Daniel agradeceu a presença de todos e lembrou que esse seminário foi uma demanda apresentada pelos deputados Heldes Guimarães e Dilma da Colônia. Segundo ele, o rio São Francisco é uma das questões muito importantes para Sergipe, que é o estado mais prejudicado pela sua atual situação. Ele lembrou que grande parte do abastecimento de água dos municípios do Estado, especialmente Aracaju, vem dele. Para ele, nesse momento, é muito grave a situação desse rio.
Revitalização com envolvimento
“Precisamos discutir de que forma está sendo utilizada a água do rio, precisamos discutir a questão do saneamento das cidades que ainda falta e revitalização do rio e todos os riachos que dão acesso ao rio. Não acreditamos num projeto que faça a revitalização e cuide do rio sem uma presença forte da sociedade civil, das Câmaras de Vereadores e da sociedade em geral. Por isso nos reunimos para debater esse tema fundamental e urgente que pode ser resolvido e depende de uma decisão política e entendemos que ela só virá se houver uma cobrança forte e firme da sociedade de Minas Gerais a Sergipe, envolvendo todos os estados por onde o São Francisco passa”.
O deputado Nilto Tatto falou da satisfação de participar dessa audiência como presidente da Comissão, diante do desafio que é essa situação do São Francisco, que tem sofrido com a seca prolongada em determinados trechos. “O rio São Francisco tem uma peculiaridade que recebe um volume significativo nas cabeceiras e aqui no baixo você tem água e no meio do seu trecho quase não é alimentado do ponto de vista de produção de água e aí começam os conflitos. Tem todo um programa de revitalização, mas está praticamente paralisado”. Ele levantou outro problema que é o fato de que centenas de cidades que estão à margem do rio e não possuem tratamento de esgoto, que vai para dentro do rio. Além do problema da retirada de mata ciliar que tem causado erosão. “Em muitos trechos do rio, há um modelo de agricultura que usa muito agrotóxicos e tudo isso vai para dentro do rio”, alertou, chamando atenção que essa deve ser uma questão que envolve não só os estados da bacia, mas todo país.
Agonizando
O superintendente de Recursos Hídricos da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Semarh), Ailton Rocha, em sua apresentação falou um pouco dos seus 20 anos de estudo nessa área e assegurou que o rio São Francisco está agonizando. Segundo ele, a longa estiagem desde 2010 causou uma redução do seu volume. Resultado disso, ele citou como exemplo a redução na vazão média natural nos reservatórios, a exemplo do de Três Marias, que teve diminuição de 26% da sua vazão média natural, e no de Sobradinho esse percentual chegou a 37%, o equivalente a quase sete vezes o volume útil desse reservatório. Em decorrência disso tem ocorrido a redução gradativa da vazão do rio. O superintendente acrescentou ainda que 48% da bacia do São Francisco se encontra desmatada, principalmente nas áreas de recarga.
O vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, Maciel Oliveira, ressaltou que o rio São Francisco é responsável por 70% da disponibilidade hídrica do Nordeste, um rio que passa por seis estados e por biomas como a caatinga, o cerrado e a Mata Atlântica e destacou a necessidade de se preservar esses biomas que estão sendo destruídos, especialmente a caatinga. De acordo com ele, a água do Velho Chico vem sendo utilizada para várias atividades, não só a geração de energia e abastecimento humano, e a existência de peixes nele está fortemente atingida. “Estamos exportando nossa água para produzir grãos e deixando nossos povos sem água”, alertou.
Segundo ele, 79% da retirada da água da bacia do São Francisco é para irrigação. Apenas 10% para consumo humano e 3% animal e 1% rural. E, justamente por conta disso, a militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Rafaela Alves, ressaltou a importância da mudança do modelo de produção agrícola que tem tanto degradado o rio e ressaltou que o projeto de revitalização só será verdadeiro se partir da leitura dos anseios e compreender a realidade do povo ribeirinho, dando um freio no modelo de desenvolvimento do agronegócio, construindo uma geração de políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento do povo.
O representante da Federação Regional dos Urbanitários do Nordeste (Frune) presente ao seminário, Lucas Nascimento, alertou que nesse período de ataque à soberania nacional, em que este governo federal quer vender as empresas do sistema elétrico, se isso ocorrer a conta de energia vai aumentar e acrescentou ainda que essa água não serve apenas para produção de energia mas também para o consumo humano.
Após a explanação dos palestrantes, o seminário franqueou a palavra aos participantes presentes, que puderam expor dificuldades enfrentadas em decorrência da degradação do rio São Francisco, denunciar situações, fazer cobranças e propor medidas que venham contribuir para sua revitalização. Um dos encaminhamentos aprovados pelos presentes foi o feito pela deputada Ana Lúcia, de formalizar um documento para ser entregue à bancada federal sergipana, para que seja priorizado para o orçamento impositivo do ano de 2019 recursos com vistas a serem investidos na bacia do rio São Francisco. Além da aprovação da elaboração de um documento com os encaminhamentos para ser enviado à Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
Por Edjane Oliveira