Pedro Ackel: entendimento contrário poderia gerar uma renúncia fiscal enorme
Os valores que são descontados da remuneração do empregado, a título de auxílio-alimentação, devem ser incluídos no cálculo das contribuições previdenciárias. A afirmação foi feita pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal, por meio da Solução de Consulta nº 4, publicada no Diário Oficial de ontem.
A norma, que tem efeito vinculante para os fiscais do país, foi publicada poucos dias depois de ter sido editada uma outra Solução de Consulta, a de nº 35, que tratava sobre a parcela do benefício que compete ao empregador. O órgão entende, para esses casos, que não há tributação se o pagamento for feito por meio de tíquete ou cartão.
Tratam-se, então, de dois posicionamentos diferentes: um voltado ao que é pago como auxílio-alimentação pelo empregador (geralmente 80% do total) e o outro trata sobre a parcela que compete ao trabalhador (os 20% restantes).
"Quando há participação do empregado, a parcela por ele paga é descontada de seu salário e, portanto, não pode ser excluída da base de cálculo das contribuições previdenciárias. Por outro lado, a parcela que é arcada pela empresa pode ou não ter natureza salarial, de acordo com a legislação de regência", diferencia, na Solução de Consulta nº 4, a Receita Federal.
Advogados afirmam que há uma grande confusão no mercado sobre esse assunto desde que os tribunais superiores pacificaram o entendimento de que os gastos da empresa com alimentação, transporte e saúde não tem natureza remuneratória e, por esse motivo, não haveria a contribuição sobre tais valores.
Muitas empresas entenderam que a mesma interpretação valeria também para a parcela que, no sistema da coparticipação, compete ao funcionário. Há casos de companhias, afirmam advogados, que inclusive fizeram compensações com os créditos que acreditam ter direito a partir do que recolheram nos últimos cinco anos sobre a parcela descontada do funcionário.
A Receita deixa claro, na Solução de Consulta nº 4, que essas compensações são indevidas. Ou seja, quem fez, deve se preparar para não tê-las homologadas e provavelmente receberá multa por ter insistido em usar créditos que, para o Fisco, não existem.
"Se a Receita Federal entendesse de forma contrária ao que está na solução de consulta, ela estaria gerando uma renúncia fiscal enorme", diz Pedro Ackel, sócio do WFaria Advogados. "Porque estamos aqui tratando de auxílio-alimentação, mas existe a coparticipação do empregado em outras situações, como transporte, plano de saúde, previdência privada e auxílio-moradia. Os valores seriam expressivos", completa.
Para Caio Taniguchi, do Bichara Advogados, a interpretação da Receita Federal está correta. "Porque a tributação incide sobre o salário bruto e não sobre o salário líquido", ele pondera. Não haveria como, entende o advogado, reduzir do valor bruto tudo o que é descontado a título de coparticipação e tributar somente o resultado.
Isso teria impacto, diz o advogado, inclusive nos valores que o funcionário tem a receber como aposentadoria. Ele exemplifica com uma situação em que dois profissionais são contratados para executar a mesma função e com o mesmo salário de R$ 5 mil. Um deles mora perto do trabalho, almoça em casa e tem plano de saúde privado, ou seja, abre mão dos benefícios oferecidos pela empresa. Já o outro mora longe, recebe o vale-alimentação e opta ter plano de saúde, tendo assim, acesso aos benefícios.
"No fim do mês, o que abriu mão seria tributado sobre os R$ 5 mil e o que optou por ter os benefícios seria tributado sobre um valor menor, já que teria toda a coparticipação descontada. Daqui 30 anos, quando se aposentarem, um vai ter a aposentadoria calculada com base no total e o outro somente em uma parte. Ou seja, haveria risco, no futuro, de surgirem questionamentos trabalhista e cível por conta da supressão de benefício previdenciário", completa o advogado.
Por Joice Bacelo | De São Paulo
Fonte : Valor