Estudo sobre seleção natural descobriu que os pelinhos acima do seu olho são essenciais para transmitir emoções – e para construir laços entre humanos.
Por Bruno Vaiano
(Guillermo Kahlo/Domínio Público)
O Homo sapiens não é lá uma espécie muito pacífica. Mas não dá para negar que esse negócio chamado civilização convenceu pelo menos alguns de nós a resolver disputas no diálogo, e não na porrada. Prova disso é um artigo científico que saiu ontem na Nature: três arqueólogos da Universidade de York descobriram que, conforme o ser humano passou a depender de relações sociais para sobreviver, a seleção natural favoreceu sobrancelhas expressivas e repletas de músculos, capazes de revelar emoções sutis só com um olhar.
Já se sabia faz tempo que nossos ancestrais, como o H. erectus e o H. heidelbergensis, esbanjaram sobrancelhas arqueadas enormes, apoiadas por estruturas ósseas visíveis nos fósseis. Boa parte dos evolucionistas apostava que esse era um efeito colateral anatômico de outras características importantes do crânio do primata, como a mandíbula forte e o posicionamento dos olhos.
O pesquisador português Ricardo Godinho e sua equipe usaram uma simulação de computador para alterar o tamanho do supercílio dos nossos tatara tatara tataravós e comprovar (ou não) essa hipótese. E descobriu que a testa de ferro dos hominídeos pré-históricos na verdade não tinha nenhuma influência biomecânica sobre a força da mordida ou a posição dos globos oculares. Era hora de apostar em outra teoria: a de que, mais do que arrancar pedaço, os antepassados humanos que se deram bem na corrida pela vida chegaram lá porque eram bons em bater papo e pedir ajuda. E nisso esses pelinhos que você tem em cima dos olhos são fundamentais.
“Um movimento rápido com as sobrancelhas para o alto é um sinal de reconhecimento e abertura para relacionamento presente em todas as culturas”, afirmou em comunicado Penny Spikins, também envolvida no estudo. “Movimentos sutis com as sobrancelhas também são essenciais para avaliar a confiabilidade de alguém. E já está provado que pessoas em que o botox impede o movimento da testa são menos capazes de captar as emoções dos outros.”
Segundo essa interpretação inusitada, ao longo dos últimos 100 mil anos — com o H. sapiens já muito, muito próximo de sua forma anatômica contemporânea — os supercílios diminuíram drasticamente, e há 20 mil anos, de acordo com os pesquisadores, as pressões evolutivas por socialização se acentuaram com a disseminação da agricultura e os crânios se tornaram absolutamente idênticos aos atuais. Já Kabwe 1 (o fóssil de H. heidelbergensis do Museu de História Natural de Londres cujo crânio foi usado para rodar a simulação) teria enormes supercílios pelo motivo oposto: parecer mais másculo e violento aos olhos de seus adversários.
Só Darwin não está surpreso. Em seu livro A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, ele já dá muita atenção à importância das sobrancelhas. No capítulo 12, sobre as reações de terror e do medo, diz: “a atenção manifesta-se pela discreta elevação das sobrancelhas, e à medida que este estado progride para a surpresa, elas são ainda mais elevadas, com os olhos e a boca bem abertos.” O fundador da biologia moderna nunca duvidou que a seleção natural não construiu só nossos corpos, mas também nossas emoções.
Fonte: Superinteressante