A portaria publicada desta segunda-feira (16) define que a publicação da lista de trabalho escravo seja decidida pelo ministro do Trabalho
Aportaria do Ministério do Trabalho que estabelece novas regras para a caracterização de trabalho análogo ao escravo e dificulta a divulgação da "lista suja" dos empregadores que utilizam mão de obra escrava é um "retrocesso". A avaliação é de Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
A portaria publicada desta segunda-feira (16) define que a publicação da lista de trabalho escravo seja decidida pelo ministro do Trabalho — anteriormente a divulgação era uma tarefa de funcionários técnicos do setor. Para Guilherme, esta situação favorece um "juízo de oportunidade e conveniência".
Outro ponto alterado é a classificação de trabalho escravo. Anteriormente, trabalho escravo era aquele caracterizado por servidão por dívida, trabalho forçado, jornada exaustiva ou condição degradante. Agora, o trabalho escravo passa a ser definido pelo uso de coação, cerceamento do uso de meios de transporte, isolamento geográfico, confisco de documentos dos trabalhadores e segurança armada.
Para o presidente da Anamatra, as mudanças "restringem" a caracterização do trabalho escravo e são um "reducionismo da lei".
Escravidão
"O fato é que provavelmente ele [o trabalho escravo] nunca tenha deixado de existir desde a abolição em 1888. E há estudos históricos neste respeito, a escravidão foi tomando novas feições e foi se acomodando nos vários rincões do país de diversas maneiras, mas abolida, de fato, talvez ela nunca tenha sido, e isso chega ao século XXI", afirma Feliciano.
O presidente da Anamatra é também juiz do Trabalho da 15ª Região (Campinas). Para ele, o Brasil apenas reconheceu a persistência do trabalho escravo em seu território na década de 1990, quando passou a praticar políticas públicas para combatê-lo e virou referência no cenário internacional.
Agora, contudo, "dá um passo para trás que é de lamentar", diz Feliciano em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil.
Segundo a Repórter Brasil, mais de 52 mil trabalhadores escravizados foram resgatados desde 1995. O setor que mais foi flagrado utilizando esta mão de obra é o da pecuária, que concentra 31% dos casos.
32% dos escravos resgatados são analfabetos.
Repercussão
A portaria do Ministério do Trabalho teve repercussão negativa no Brasil e no exterior.
Segundo a Folha de S. Paulo, auditores que fiscalizam o trabalho escravo decidiram paralisar suas atividades em 21 Estados.
A própria Procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que trata-se de um "retrocesso". Dodge foi recentemente escolhida para o cargo pelo presidente Michel Temer (PMDB).
O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) recomendaram a revogação da portaria.
No campo internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirmou que o Brasil passou a ser um exemplo negativo no combate ao trabalho escravo.
Já o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse à GloboNews que as mudanças são "um pleito antigo da classe produtora" e que "nós só temos a comemorar". Maggi é membro da Frente Parlamentar Agropecuária — coalizão ruralista que afirma reunir mais de 200 deputados federais.
Nesta semana, a Câmara dos Deputados começou a discutir a denúncia contra Temer por organização criminosa e obstrução da justiça. Caso menos que 342 deputados votem pela não instauração do processo de investigação, Temer pode ser afastado do cargo de presidente da República.
Com informações do Sputnik Brasil.